OS ILUMINATI: INTELECTUALMENTE ILUMINADOS OU SATANICAMENTE OBSTINADOS?

OS ILUMINATI

Por: Gilberto Fernando Gouveia Júnior (sDI)

RESUMO

A opinião popular contemporânea demonstra um sentimento de negatividade quando se fala sobre os ILUMINATI. Grosso modo das pessoas associam esta “Sociedade Secreta” ao demónio e a pactos satânicos, onde seus membros vendem suas almas ao maligno para obterem bens, domínio e poder. Outros ainda associam-na à teoria da conspiração, acreditando que ela pretende estabelecer uma nova ordem mundial. Os símbolos assumidos por esta Fraternidade, com maior destaque para o pentagrama, conduzem, factualmente, a ideias satânicas, vindo como que a confirmar as especulações feitas em torno de uma das mais famosas e misteriosas Confrarias do mundo: OS ILUMINATI. Diante deste panorama, a verdadeira origem e objectivos Iluminati acabaram perdendo-se na história. Este artigo pretende rebuscar o verdadeiro sentido Iluminati, fazendo um flashback dos factos, desde os finais da Idade Medieval à desmistificação de todo o satanismo atribuído aos ILUMINATI.

Palavras-chave: Iluminati, satanismo, pentagrama, Idade Medieval.


INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como titulo “Os ILUMINATI: intelectualmente iluminados ou satanicamente obstinados?”. O mesmo surge como uma tendência de resgate das verdadeiras origens Iluminati e desmistificação da opinião popular em torno desta “Fraternidade Secreta”. A leitura das obras de Dan Brown (em especial: Anjos e Demónios e O Código da Vinci) e o rico conhecimento sobre simbologia nelas contido foi o principal impulsionador para a elaboração deste artigo. Em Anjos e Demónios, o autor faz alusão a um possível retorno dos ILUMINATI, ora tidos como desaparecidos há mais de quatrocentos anos para reivindicar uma dívida já sem dentes de tão velha que é, contraída contra a religião detentora da hegemonia intelectual da época.

Havendo no seio da opinião popular rumores da existência desta Confraria até aos dias de hoje, e sendo associada a demónios, pactos satânicos e teorias da conspiração, surgiu-me a ideia de escrever algo sobre esta “Sociedade Secreta”, uma vez que os conhecimentos adquiridos pela leitura das obras supracitadas e pelo estudo da história da filosofia parecem contradizer as superstições Iluminati de hoje. O artigo não pretende afirmar ou negar a existência dos ILUMINATI nos moldes em que a opinião popular os apresenta hoje. Ele busca apenas apresentar uma outra face da moeda nesta história toda e, quiçá, mudar a opinião dos seus leitores em torno da mais famosa e secreta Fraternidade Mundial.

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1. A noção popular sobre OS ILUMINATI

Muita gente em nossa época vive de especulações, de “ouve-dizeres”, de consumo de informações baratas na internet e por aí vai. Em jeito de um mini-inquerito, fui colhendo a sensibilidade de alguns conhecidos sobre o tema em questão, OS ILUMINATI. À primeira vista parece algo previamente combinado, mas não. Os inqueridos foram consultados sem o conhecimento dos outros e de maneira isolada. Deixo a seguir algumas das respostas:

Locutor 1: “Um grupo oculto de pessoas que fazem pactos com o Diabo… gente que vendeu suas almas em troca de dinheiro, fama…”

Locutor 2:Só sei que é uma seita satânica, onde pessoas como Rihana, Katty Pery e outros supostamente venderam as suas almas em troca de fama e dinheiro”.

Locutor 3: “Os Iluminados são uma organização que supostamente tem um pacto com Lúcifer. Pessoas que vendem as almas em troca de coisas terrenas”.

Dos três comentários supra-expostos, todos ostentam um denominador comum: pactos satânicos e venda de almas. A opinião popular associa esta Confraria, Associação, Agrupamento ou como cada um de vós quiserdes cognominar, a uma série de rituais ocultos e demoníacos, com vista a obtenção de riquezas, domínio e poder.

OS ILUMINATI são também associados à noção de “sociedade secreta”, trazendo involuntariamente às nossas mentes a ideia de teorias da conspiração, de instauração de uma nova ordem e domínio mundial. Como não podia deixar de ser, fui consultar a mais nova febre dos moçambicanos sobre o assunto, a famosa Inteligência Artificial: a LuzIA. Eis o que ela me trouxe:

Os supostos participantes do ILUMINATI são frequentemente citados em teorias da conspiração, mas não há evidências concretas sobra sua identidade. Essas teorias geralmente mencionam figuras poderosas e influentes em diferentes sectores, como política, finanças e entretenimento, mas é importante lembrar que são apenas especulações e sem base sólida.

Grosso número de sociedades secretas possuem símbolos que os identificam, com significados específicos que suas crenças acreditam lhes serem medianeiros de poderes sobrenaturais. Dentre os vários assumidos pelos ILUMINATI (a Pirâmide inacabada, o olho, o obelisco…) quero aqui frisar o pentagrama com a ponta virada para baixo. O pentagrama é popularmente associado ao satanismo. Não poucas vezes podemos ver esse dado nos filmes de terror da Hollywood. Numa das páginas do tão conceituado romance de Dan Brown (talvez até o mais famoso a nível mundial) O Código da Vinci pode-se ler:

É óbvio que o pentagrama deve também se relacionar com o demónio. Seus filmes de horror americanos mostram isso com grande clareza. […] a estrela de cinco pontas agora era praticamente um cliché nos filmes de assassinos seriais adeptos dos rituais satânicos, desenhada na parede de algum satanista juntamente com outros tipos de simbologia atribuídos ao demónio (BROWN, 2004: 44).

Escritor: Dan Brown

O pentagrama invertido é conhecido pela sua associação ao culto e rituais satânicos; hoje é entendido como um símbolo do mal. Sendo um símbolo invertido, para os ILUMINATI, ele seria um desafio a ordem estabelecida. Se tomarmos em conta a ideia de teoria da conspiração, é lógica a tendência de se oporem à ordem mundial presente, na pretensão de estabelecerem uma nova ordem por eles comandada. Será tudo verdade? Penso que mais adiante haverá qualquer pista.

Engendrado este panorama sobre OS ILUMINATI, decerto que os demónios sentiram-se aclamados por terem sido citados, grosso modo, por todos os consultados e, indubitavelmente, pela sua pan-presença num dos símbolos utilizados por esta Fraternidade misteriosa. Eles são tidos como os grão-mestres de uma das Confrarias que mais suscita ideias fantasmagóricas de todo o tipo por onde o seu nome é citado.

Não quero, estimado leitor, com este artigo, afirmar ou negar algo sobre o que foi dito anteriormente em torno dos ILUMINATI. Não tenho base alguma para o fazer. Alguns historiadores modernos questionam até a sua real existência nos dias de hoje, após relatos de sua extinção há mais de 400 anos. O meu objectivo é apenas questionar tanto diabolismo atribuído a esta Associação. Será que a sua origem está realmente conectada a rituais satânicos e a venda de almas ao demónio em troca de bens terrenos? Isto é o que vamos descobrir no próximo número.

2. Desmistificando a história: a origem dos ILUMINATI

A origem dos ILUMINATI surge como um desembocar do longo “período das trevas”, termo um tanto pejorativo usado por alguns historiadores para designar a Idade Medieval. Tenho minhas reservas quanto a essa nomenclatura, entretanto deixemos o assunto para uma outra oportunidade. Faço, a seguir, um breve resumo sobre o período medievo.

A Idade Media emerge na história como resultado de três essenciais factores determinantes actuando em convergência: o arruinamento do mundo clássico grego, a barbarização do espaço europeu e o advento do Cristianismo. Essa convergência dá-se ao longo dos primeiros séculos da chamada era cristã, mas acentua-se e torna-se determinante no século V (COUTINHO, 2008: 3).

A Idade Media estendeu-se do século V-XV (não se veda outra delimitação cronológica para este período) e caracterizou-se pelo teocentrismo e forte influência da religião em todas as esferas: sociais, políticas, económicas e, sobretudo, académicas. No segundo período da Idade Media, conhecido por Escolástico, surgem as primeiras Universidades junto às Catedrais. Nelas se leccionava sobretudo o trivium: gramática, retórica e dialéctica e; o quadrivium: aritmética, música, geometria e astronomia (seria interessante relacionar esta organização académica ao triénio filosófico e quadriénio teológico proposto hoje aos candidatos ao sacerdócio nalguns países, creio que não vem ao caso).

Ao longo dos anos, a “detentora do universo de então” foi perdendo a sua hegemonia e o paradigma foi mudando de eixo. O surgimento da filosofia laica, as grandes e novas navegações, a mudança do feudalismo para o capitalismo, o surgimento da imprensa, as novas investigações científicas, entre outros, estão entre os principais factores determinantes para o êxodo das crenças medievais para o culto da razão.

Com o ensino universitário começado nas escolas-catedrais medievais, foram surgindo pessoas com novos horizontes e visões do mundo outrora fechado e controlado pelos dogmas religiosos da época. Foram surgindo físicos, matemáticos, astrónomos que chamavam a si mesmos de “os esclarecidos”, “os iluminados” ou, simplesmente, de “OS ILUMINATI”. Eram um grupo das mentes mais cultas da Europa dedicadas a busca da verdade científica. Era o início da revolucionária Idade Moderna.

“O membro mais reverenciado dos ILUMINATI era um pacifista e um dos mais famosos cientistas da História: o astrónomo Galileu Galilei” (BROWN, 2002: 81). Galileu era um Iluminati, afirma Dan Brown, mas também um católico fervoroso – eu o chamaria de um teo-iluminati (um termo cunhado aquando da elaboração deste artigo para designar um “crente iluminado”). Começamos a descobrir que, afinal de contas, ser um membro Iluminati não significava necessariamente ser averso a religião, ser um adversário da religião ou, literalmente, um Satanás (Satanás, do termo islâmico shaitan que significa adversário).

Galileu tentou abrandar a posição da religião com relação a ciência, proclamando que ela não prejudicava a noção da existência de Deus mas, ao contrário, reforçava-a. “Escreveu certa vez que, quando olhava os planetas girando através de seu telescópio, conseguia ouvir a voz de Deus na música das esferas” (ibidem). Isto soa-nos um tanto espantoso: um iluminati que canta louvores a Deus e não ao Diabo? Pois é meus caros, parece-me que a noção popular sobre os ILUMINATI apresentada no início do artigo começa a mudar de paradigma.

A ciência e a religião, para este conceituado e respeitado membro Iluminati, não eram inimigas e sim aliadas. Duas linguagens diferentes que contavam a mesma história. Galileu teoriza a demarcação entre proposições científicas e proposições da fé. Ele reclamava apenas a autonomia dos conhecimentos científicos, que são comprovados e avaliados por meio do método experimental, não para negar Deus, mas para exaltar o clímax da sua mais alta criação: a natureza e o ser humano. “Diz Galileu que Deus nos deu sentidos, discurso e intelecto: é por meio deles que podemos chegar às conclusões naturais que podem ser obtidas pelas sensatas experiências” (REALE, 2004: 202).

2.1. Símbolos Iluminati e seus significados “ademoníacos”

Uma das coisas que retenho das longínquas aulas de Biologia que tive quando adolescente é o facto de toda a designação de organismos precedida pela vogal “a” devia remeter à noção de ausência. Por exemplo, um organismo acelomado significa um ser com ausência de celoma. Este comentário parece deslocado, mas faço-o para explicar o termo ademoníaco no subtítulo acima. Tendes a explicação!

Os ILUMINATI têm um símbolo característico e bastante curioso. Muitos de vós deveis já terdes visto por aí, entretanto acredito que poucos, ou quase ninguém notou a tamanha engenhosidade presente nele, ali, à vista de todos. Quanto a isto, o professor Langdon já advertiu: “há símbolos ocultos em lugares que você jamais imaginaria”. Mas, para o símbolo ILUMINATI eu diria: “há engenhosidades ocultas em coisas tão banais que você jamais imaginaria”.

“O símbolo Iluminati foi criado por um artista anónimo do século XVI, um dos Iluminati, como tributo ao amor pela simetria de Galileu. Uma espécie de logomarca sagrada dos Iluminati” (BROWN, 2002: 90). Onde estaria o facto curioso e engenhoso do tal símbolo? No facto de o símbolo Iluminati ser um ambigrama. Devem estar se perguntando o que seria um ambigrama. O ambi- deriva da palavra “ambos”. Ambigrama seria, portanto, uma palavra ou números legíveis de ambos os lados. Assim é o símbolo Iluminati. Fazendo uma rotação de 180 graus na palavra, ela continua a mesma. Veja:

A simetria com que o símbolo Iluminati foi criado é simplesmente espetacular. Uma obra própria de um iluminado, de um apaixonado pela ciência.

Outro símbolo Iluminati é o pentagrama. Acredito que as vossas mentes voltaram, como que com um toque de mágica, ao que apresentei anteriormente sobre a estrela de cinco linhas. Será que os ILUMINATI do tempo de Galileu atribuíam o mesmo significado ao pentagrama? Vamos descobrir. “Os símbolos têm significados diferentes em lugares diferentes” (BROWN, 2004: 42)”. Não obstante a essa constatação e, muito contrariamente ao que se pensa hodiernamente sobre o pentagrama, suas verdadeiras origens são, na realidade, bastante divinas. Ele era um símbolo religioso pagão, outro termo que se tornou pejorativo ao longo dos tempos. O certo e que pagão advém do latim paganus que significa “habitante do campo”, apenas isso. Os pagãos eram gente de meio rural que não tinha recebido ensinamentos cristãos e se apegava às velhas religiões da natureza. Eles tinham o pentagrama como símbolo de adoração à Mãe Natureza, à ordem natural divina, porém, “a incompreensão gera desconfiança”.

Os ILUMINATI fizeram um tributo subtil aos quatro elementos da ciência. “Todos os alquimistas acreditavam que o universo se constituía de apenas quatro substâncias: Terra, Ar, Fogo e Água” (BROWN, 2002: 97); Empédocles, filósofo naturalista, também acreditava que o αρχή (arkhé) do universo fosse constituído por esses quatro elementos, só para constar. Mencionei apenas quatro; e o quinto elemento? É misterioso e até hoje não se sabe qual seria a quintessência (quinta essência) ILUMINATI. De tudo o que descobrimos até agora, não me espantaria que a quintessência fosse Deus, o demiurgo de tudo, inclusive dos quatro elementos da ciência de então.                                            

Parece-me que acabamos de fazer uma nova descoberta. Que os atributos satânicos feitos ao pentagrama também não têm precedentes históricos, ao menos no seio dos ILUMINATI primitivos.

A pretensão do mais reverenciado membro dos ILUMINATI, Galileu Galilei, de separar e delimitar os campos de acção da ciência e da religião, com o seu famoso aforismo “a intenção do Espírito Santo é a de nos ensinar como se vai ao céu e não como vai o céu” (REALE, 2004: 202), gerou repulsa e repressão por parte da detentora da hegemonia intelectual de então. A não-aceitação das novas descobertas científicas iniciadas por Copérnico e abraçadas por Galileu geraram, no seio dos membros ILUMINATI, a terceira lei de Sir Isaac Newton: “para toda acção há uma reacção”. Essa reacção pode ter sido a criação de um ILUMINATI clandestino e revoltado que viria a tornar-se, muito provavelmente, anti-religioso. Digo anti-religioso e não satanista, mas quanto a isso prefiro deixar que a História da Filosofia Moderna e figuras com maior autoridade para o fazer, como o renomado escritor Dan Brown, figurado na pessoa do incontornável professor de Simbologia Religiosa da Universidade de Harvard, Robert Langdom, vos digam alguma coisa.

CONCLUSÃO

Com todo o exposto no corpus deste artigo, os ILUMINATI ganharam um novo rosto, uma nova personalidade desenterrada dos escombros da história, outrora soterrados há mais de quatrocentos anos, quando esta Fraternidade surgiu com o seu mais reverenciado membro, o astrónomo Galileu Galilei. A pretensão de Galileu desmente toda a antagonização feita pelas massas populares entre o divino e o diabólico, entre a religião e os ILUMINATI. Sendo ele um teo-iluminati, tivera percebido desde cedo que a ciência e a religião deviam caminhar juntas, pois contavam a mesma história em linguagens diferentes, isto seria, cada uma no seu campo de actuação. Que um dia possamos também nós nos tornarmos teo-iluminatis, caminhando de mãos dadas com a fé e iluminados pela área científica em que cada um estiver formado, em prol de um mundo melhor e mais humano.

A fé e a razão constituem como que duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade de modo que, conhecendo e amando a Deus, que colocou no coração do homem o desejo ávido pela busca da verdade, possa conhecer-se a si mesmo (Da Carta Encíclica Fides et Ratio do Papa João Paulo II).

 

REFERENCIAS

Brown, D., O Código da Vinci, Sextante, Rio de Janeiro 2004.

___________ ., Anjos e Demónios, Sextante, Rio de Janeiro 2002.

Coutinho, J., Elementos de História da Filosofia Medieval,  Braga 2008

Reale, G. – Antinseri, D., História da Filosofia: Do Humanismo a Descartes, Paulus, São Paulo 2004.

João Paulo II, Carta Encíclica Fides et Ratio, 1998.

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